Ao comprar um imóvel na planta ou diretamente de uma incorporadora, muitas pessoas enxergam ali a chance de construir um patrimônio para o futuro, mas imprevistos como mudanças financeiras ou pessoais podem impedir a continuidade dos pagamentos e levar à desistência da compra.
Quando isso acontece, começa o processo de distrato, que nada mais é do que desfazer o contrato, e é justamente aí que surge a principal dúvida dos consumidores: afinal, quanto tenho direito de receber de volta do que já paguei?
A boa notícia para o consumidor é que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou recentemente um entendimento que oferece maior segurança para quem enfrenta esse tipo de situação. Segundo a decisão, quando o contrato é firmado entre um comprador e uma incorporadora e existe uma relação de consumo entre as partes, prevalecem as regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Isso significa que, mesmo existindo a chamada Lei do Distrato, que regula a compra e venda de imóveis na incorporação imobiliária, os limites de descontos previstos pelo CDC devem ser observados.
Essa decisão traz efeitos diretos para consumidores que precisam desistir da compra do imóvel e desejam saber quanto poderão reaver do que já pagaram. A seguir, você vai entender exatamente o que o STJ decidiu, por que essa decisão foi tomada e de que forma ela pode impactar o seu distrato imobiliário.
O caso analisado pelo STJ e o que estava em discussão
O processo analisado tratava de um consumidor que havia firmado contrato de compra e venda de um imóvel com uma incorporadora. Algum tempo depois, ele percebeu que não conseguiria continuar pagando as parcelas e optou por desistir da compra.
Diante disso, buscou judicialmente a devolução de 90% de tudo o que já havia pago.
A primeira instância determinou a devolução de 80% das quantias pagas. No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo afastou qualquer limitação de retenção e aplicou apenas a Lei do Distrato, entendendo que os descontos previstos nela poderiam ser integralmente utilizados pela incorporadora. Isso gerava a possibilidade de que praticamente nada fosse devolvido ao consumidor, já que os valores pagos eram considerados módicos.

Esse foi o ponto central que chegou ao STJ. O tribunal precisava decidir qual lei era mais adequada para regular a hipótese:
- o CDC, que protege o consumidor em contratos de compra e venda de imóveis celebrados com construtoras ou incorporadoras
- ou a Lei do Distrato, que define regras específicas sobre retenções e penalidades contratuais.
O STJ entendeu que o conflito aparente entre as normas deveria ser resolvido com a prevalência do CDC.
Segundo o tribunal, o CDC é a legislação mais específica quando se trata de relação entre consumidor e fornecedor e, por isso, deve ser aplicado de forma prioritária.
Por que o CDC deve prevalecer na devolução de valores
Um dos fundamentos essenciais do CDC é evitar que o consumidor sofra desvantagens excessivas em contratos de adesão, ou seja, contratos prontos e elaborados pela empresa. No caso dos contratos imobiliários feitos com incorporadoras, quase sempre o comprador não tem poder de negociação sobre cláusulas e apenas aceita os termos propostos. Por essa razão, a lei consumerista tem um papel de equilíbrio nessa relação jurídica.
O artigo 53 do CDC afirma que é nula a cláusula contratual que prevê a perda total das parcelas pagas pelo comprador de imóvel quando há resolução do contrato. Em outras palavras: a construtora não pode reter tudo o que foi pago. Esse dispositivo existe justamente para evitar que consumidores vulneráveis acabem assumindo prejuízos muito maiores do que seria razoável.

Já a Lei do Distrato, por sua vez, permite uma série de retenções, como cláusula penal, despesas administrativas, corretagem, tributos e até taxa de fruição, além de prever que esses descontos podem alcançar certo percentual do valor do contrato. Aplicada de forma isolada, essa lei pode levar à retenção quase total dos valores pagos, especialmente quando as parcelas quitadas são pequenas.
Diante desse conflito, o STJ reafirmou o entendimento de que a retenção total não pode ultrapassar 25% de tudo o que o comprador pagou, exatamente como já havia sido consolidado em 2021. Esse percentual não é aleatório, mas resultado de anos de julgamento de casos semelhantes, nos quais o tribunal buscou um ponto de equilíbrio que não prejudique nem o consumidor nem a incorporadora.
O tribunal esclareceu ainda que todas as retenções previstas na Lei do Distrato podem ser aplicadas, porém desde que somadas não passem do limite de 25%. Essa orientação preserva a lógica da legislação especial, mas impede que ela seja usada para esvaziar os direitos do consumidor.
Como fica a situação da taxa de fruição
Outro ponto relevante analisado pelo STJ foi a cobrança de taxa de fruição. Essa taxa funciona como uma compensação pelo uso do imóvel, porque corresponde à remuneração que o vendedor poderia ter recebido caso o imóvel estivesse sendo alugado a terceiros. A Lei do Distrato prevê essa taxa em até 0,75% do valor atualizado do contrato.

No entanto, ela só é aplicável quando o comprador efetivamente usufruiu do imóvel. No caso julgado, tratava-se de um lote sem qualquer construção. Portanto, o STJ considerou que a taxa não era devida porque não houve uso do bem. Essa interpretação protege o consumidor contra cobranças que não refletem sua realidade e serve de orientação para vários outros casos semelhantes.
Como a decisão afeta você como consumidor
A decisão do STJ tem impacto direto e positivo para compradores que precisam desfazer contratos imobiliários. Entender esses efeitos é fundamental para quem está passando por esse processo ou teme enfrentar essa situação no futuro.
Em primeiro lugar, a decisão garante que o consumidor não ficará completamente desamparado e não perderá tudo o que pagou. O limite de retenção em 25% assegura que a maior parte do investimento será devolvida, o que permite ao comprador reorganizar suas finanças e buscar outras alternativas.

Outro ponto importante é que a decisão reforça a segurança jurídica, pois estabelece uma orientação clara e estável que deverá ser aplicada pelas instâncias inferiores da Justiça. Isso evita decisões divergentes entre juízes diferentes e reduz incertezas para os consumidores.
Vale destacar ainda que, embora existam previsões legais específicas sobre o distrato, nenhuma delas pode ser aplicada de forma a suprimir direitos básicos do consumidor. O CDC continua sendo a principal ferramenta para equilibrar a relação nessas situações, especialmente quando o contrato é claramente uma relação de consumo.
O que você deve observar antes de assinar um contrato imobiliário
A decisão do STJ serve também como alerta para quem pretende comprar um imóvel. Antes de assinar um contrato, é importante prestar atenção em alguns pontos:
- Leia a cláusula de distrato com cuidado e entenda quais valores podem ser retidos.
- Verifique se existe previsão de taxa de fruição e em que situações ela será cobrada.
- Confirme se as porcentagens de penalidades estão dentro do que é permitido pelas normas consumeristas.
- Solicite esclarecimento por escrito da construtora sempre que houver dúvidas.
- Sempre que possível, consulte um advogado especializado antes da assinatura.
Esses cuidados podem evitar surpresas desagradáveis no futuro e garantir que você esteja tomando uma decisão informada.

Como a Maviene Advogados pode te ajudar
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Cada caso possui suas particularidades e precisa ser analisado de forma cuidadosa para maximizar a recuperação do investimento.
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